terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

2ª EXPEDIÇÃO AO OJOS DEL SALADO (2ª maior montanha das Américas) 6.862mts



Chile, aqui estou eu novamente, um ano após minha primeira tentativa 
de cume do Ojos del Salado, a segunda maior montanha das Américas com 6.862m de altitude.
Da vez passada, depois de 8 dias de expedição, retornei quando estava a 6500m,  faltando umas 4 hs para chegar no cume, por conta do alto  risco de avalanche.
 (o post sobre este episódio está neste blog em "mais antigas")

(no texto a seguir você verá muito a palavra "aclimatação". Para os leigos em montanhismo, aqui vai o significado: "é o processo para adaptar o organismo para suportar  baixos níveis de oxigênio existentes na altitude!" Já ví montanhistas muito bem preparados física e mentalmente mas que não se adaptaram a altitude então tiveram que dar meia volta e desistir da expedição. Ou seja, aclimatar bem é algo de extrema importância para o sucesso de uma escalada em Alta Montanha.) Este processo se dá subindo e descendo a montanha durante dias, procurando ganhar gradativamente cada vez mais altitude. 
A má aclimatação causa sintomas como dores de cabeça, nauseas, vômitos e até 
edemas pulmonares e cerebrais)

ESTAÇÃO DE SKI VALLE NEVADO (3.500m)

Passei dois dias em Santiago esperando o guia Rodney que estava em outra expedição (o mesmo que me acompanhou da vez anterior) .
Então aproveitei para subir o Valle Nevado (uma das melhores estações de ski do América do Sul) que fica a apenas 1.30h de viagem, para já ir aclimatando o corpo. Muito interessante comparar o cenário que ví agora no verão com o que vemos no inverno. Agora só existe a cor o marrom das pedras e areia... no inverno é só o branco da neve!
Peguei o teleférico e caminhei por  volta de1 hora até chegar a 3700m. Desci e voltei para cidade.
Meu organismo começou a entender o que estava por vir e se adaptar... fabricando mais glóbulos vermelhos, indispensáveis na altitude.


DESPENSA CHEIA

Me encontrei com o guia na cidade de Copiapo, 800 km ao Norte de Santiago.
Arrumamos os equipamentos, compramos os mantimentos para nos mantermos 10 dias no deserto e nos mandamos!



SELVAGEM

A experiência de viajar neste deserto totalmente selvagem é única!!



LAGOA SANTA ROSA (3600m)

Depois de 4hs deserto a dentro, chegamos onde deveria ser nossa primeira parada para dormir, 
Lagoa Santa Rosa, um lugar incrivelmente lindo! Mas como estava muito cheio, 
com varias pessoas acampando, decidimos ir direto para lagoa Verde (4200m) 
onde seria nosso destino para o segundo dia!



REFÚGIO MURRAY (4600m), UMA CASINHA ROOTS (sem água nem energia elétrica) 
NO MEIO DO DESERTO

Mas no caminho avistamos o refúgio Muray, que seria nossa casa a partir do terceiro dia.
 Demos uma parada a distância, olhei o refugio de longe,
 parecia estar vazio então pensei... " vamos adiantar 2 dias em nossa 
programação e ficar aqui hj mesmo!'
Arrisquei, pois o ideal é ganhar altitude bem gradativamente.
 De noite sentia meus batimentos acelerados, era meu organismo trabalhando para se adaptar a aquelas condições de ar rarefeito.
Sair de Copiapo (nível do mar) e ir direto para altitude de 4600 é um salto que
 nunca se aconselha fazer, 
mas aquelas idas que fiz ao Valle Nevado me ajudaram e fizeram uma certa diferença.



LAGOA VERDE (4200m)

Dia seguinte fomos nos banhar na lagoa verde, que como citei anteriormente,
 deveria ser nosso destino para o segundo dia. 
Fomos lá apenas para nos banhar e 
curtir o visual enquanto nos aclimatávamos.



TERMAS À VISTA


QUE LUGAR!

Dar um mergulho nas águas geladas e salgadas da lagoa e logo entrar nas termas, 
estas piscinas de água natural, quente e doce, é uma experiência deliciosa.


RELAX TOTAL

Relaxei tanto deitado aí que nem percebi o tempo passar... fiquei mais de 30 min... o que aprendi depois nao ser nada recomendável... à noite sofri fortes dores de cabeça.
Era meu corpo reclamando a mistura de ganho rápido de altitude (onde ele ainda estava tentando se adaptar) com banhos longos em agua quente debaixo do Sol forte... o que me desidratou bastante...
Não passei bem a noite e na manha seguinte cogitei com o guia voltar para a cidade para baixar a altitude.
Aleguei que errei a estratégia em querer acelerar o processo, precisava de mais oxigênio para meu corpo recuperar.
Ele então sugeriu que eu descansasse bem este dia e hidratasse bastante, caso não surtisse efeito, voltaríamos no dia seguinte para Copiapo, que estava a 5hs dalí. 
Funcionou, acordei me sentindo super bem! Então continuamos no refugio Muray e começamos a fazer caminhadas ao redor visando ganhar altitude, mexer o corpo e melhorar a aclimatação.



RETIRO ESPIRITUAL

Uma das melhores experiências nesta expedição pra mim foi poder curtir o visual, a paz e 
tranquilidade dessa varanda por vários dias! Estávamos no meio do nada!! Nem carros, nem pessoas, nem animais... absolutamente nada ao redor!!!
Permanecendo dias num lugar como este percebe-se uma grande mudança interna em nossos sentidos e consciência!
Quando voltamos para cidade nossos sentidos estao bem mais apurados.

DE FRENTE PARA O OJOS, VISUALIZANDO

Procurando usar essa poderosa ferramenta, a visualização!
Lei do universo: O que vc pensa, sente e acredita, se materializa.


POR DO SOL NO DESERTO

Sem palavras... cada final de tarde um espetáculo diferente...



NO MEIO DO NADA

Então, nos dias por vir, saíamos de carro do nosso refúgio, 
que foi nossa base por vários dias, 
parávamos nos pés de alguma das montanhas com mais de 6000m que nos rodeavam e "escalaminhávamos" por volta de 1 ou 2 horas, procurando não nos desgastar e mesmo assim ganharmos altitude.
Esta foi nossa estratégia para essa expedição.. usarmos ao máximo o carro para ganhar altitude sem nos cansarmos. Já que essa montanha permite isso, vamos aproveitar!


Um trajeto que na cidade não levaríamos mais  do que 5 min. para transpor, nessa altitude 
levamos por volta de 30 a 40 minutos! Uma outra dimensão!
ACLIMATANDO
Pausa para descanso e curtir o visual! Tudo lá embaixo ficou pequeno.



YOGA NO DESERTO
excelente para manter corpo, mente e emoções fortes e alinhados.










                                                               WILD & FREE
                                                     Totalmente a vontade no deserto


PROCESSO CONCLUÍDO

Após seis dias  aclimatando, chegamos a altitude de 6026m! Encerramos assim
o processo de adaptação do organismo às baixas taxas de O2 existentes na altitude.
Agora é voltar ao refúgio, descansar um dia, preparar os equipamentos
 e fazer nossa tentativa de cume!



TRAÇANDO A ESTRATÉGIA PARA O GRANDE DIA


PREPARANDO OS EQUIPAMENTOS


RUMO AO ACAMPAMENTO ATACAMA

                     Saímos do refugio por volta das 2hs da manhã, enquanto subíamos o dia nascia...
                              Esse é um dos momentos mais especiais da escalada pra mim.


ALVORADA ESPECIAL




LIÇÃO DE VIDA

A maior parte do tempo caminhava olhando para o chão... vez ou outra levantava a cabeça e mirava em meu objetivo, onde queria chegar... Então procurava me concentrar e adaptar pra chegar lá... Outras vezes, olhava para trás... Para ter uma noção do quanto já tinha percorrido,.. Buscando me auto motivar!...  Então baixava a cabeça novamente e procurava me concentrar e adaptar para continuar avançando...
Acredito esta ser uma lição para a vida, muitas vezes temos que mirar nosso objetivo (futuro) e determinar onde queremos chegar, 
nos visualizar alí mas logo voltar para o momento presente e trabalhar duro, concentrado e nos adaptando as diversidades que aparecem. Outros momentos, quando pensamos em desistir, é bom olhar para trás e ver o quanto já percorreu... Perceber que todo o trabalho está surtindo resultado... Isso nos motiva a continuar avançando.


VISUAL


VOZ INTERIOR ASSUMINDO O CONTROLE

Após umas 5 horas de subida, quando estávamos por volta de 6500m de altitude,
comecei a sentir duramente os efeitos do ar rarefeito, meu ritmo caiu pela metade, estava muito difícil respirar, quanto mais caminhar. O guia começou a se preocupar. "Esta bem Alexandre?"  Me perguntou algumas vezes e eu sempre respondia que "sim", automaticamente, sem pensar muito.  Percebi ele falando pelo rádio com a base dizendo que, do jeito que eu estava indo, era bem provável que voltaríamos em breve sem pisar no cume.

 

 Da 3ª vez que ele me perguntou se eu estava bem, respondi que sim, então ele retrucou: "Tem certeza? Vai estar bem pra voltar?" Então parei e pensei comigo... "Isso aqui está ficando perigoso... estou gastando muita energia pra subir e não sei se terei para voltar..." Na verdade é assim que acontece a maioria dos acidentes em Alta Montanha... Daí, quando pensei pela primeira vez em desistir e voltar, olhei para cima e fitei o cume, estava não mais do que 300m de distância... tão perto mas ao mesmo tempo tão longe...
Lembrei de tudo o que passei para estar alí, do ano anterior que tive que voltar por risco de avalanche, dos meses de treinamentos, da viagem, dos dias aclimatando, de toda dedicação... tudo para este momento! Então ouço uma voz interna dizer: "Muito bem, se vc quer realmente chegar e voltar em segurança, faça tudo que eu mandar! 
Primeiro: seus batimentos estão acelerando muito com cada passo, desse jeito cansará rápido e não terá gás p voltar... adote o procedimento de 4 a 5 respiradas para cada passo! Assim, mesmo que demore,  conseguirá chegar!"

E foi o que fiz! Em alguns momentos inventei de dar  2 ou 3 passos seguidos, sem as devidas respiradas de intervalo,  quase caí no chão desmaiado! (de verdade, não é exagero)
Então disse pra mim mesmo:"não vou desistir! O clima está bom, tenho tempo... vou chegar mesmo que leve o dia todo!"

Foi um dos momentos que me senti mais determinado na vida!!

 O guia, que estava na dúvida se abortaria a missão no meio do caminho, viu minha vontade e perseverança então começou a me incentivar: "Vamos Alexandre!! Se você  quer chegar ,vamos ao cume!! Você pode!!"
 E posso lhes assegurar, foram muito importantes aquelas palavras de incentivo!
 Palavras positivas quando estamos a beira de limites físicos e emocionais são de extrema importância para nos superarmos!


PAREDE FINAL

Os 80 metros finais são técnicos, então usamos cordas para transpassá-los. Quando estava na última cordada, o guia clipou o mosquetão na minha cadeirinha, bateu a mão no meu ombro  e disse as palavras que até hoje me arrepiam:
"Vai que o cume é seu, compadre!!"

CUME!!
Então fui escalando, escalando... Até uma hora que não tinha mais o que subir... Olhei em volta e estava no cume da segunda maior montanha das Américas!! Ojos del Salado, 6860mts!
Que emoção!

Éramos apenas nós dois no cume! Nos abraçamos e começamos ambos a chorar!
Pelo rádio, o guia comenta com sua namorada, que estava na base, que de todas as vezes que ele subiu, esta foi a mais emocionante!
 Talvez  pelo fato de ele ter visto  todo meu esforço e sacrifício para chegar alí. As últimas 3 horas foram realmente bem duras pra mim.


LIVRO DE CUME
Fica dentro de uma caixa de alumínio presa no cume!



                                                                  SÓ OS FORTES ASSINAM!!







          DESFRUTANDO A EMOÇÃO DE SE ESTAR EM UM LUGAR BEM ESPECIAL!

                  A descida levou 3 hs e foi relativamente tranquila. Cada metro que baixávamos sentia mais oxigênio em meu organismo e mais energia! Sinal de que tinha força, o que estava me pegando era realmente o ar rarefeito.


                                                              MISSÃO CUMPRIDA!!
                                   Dia seguinte, já recuperados, voltando para a civilização!
Que sentimento gostoso, se dedicar meses em um projeto e conseguir realizá-lo com sucesso!




               OBRIGADO  PACHAMAMA* !
  (*Mãe Natureza no idioma indígena local Quechua)