quinta-feira, 10 de maio de 2012

MARROCOS

 Cheguei em Marrocos de madrugada, faziam uns 5 graus na cidade de Agadir, e logo descubro que minha mala havia se extraviado! Depois de 30 horas entre voos e esperas em aeroportos, tudo o que vc quer é tomar um bom banho, vestir roupas limpas e dormir... Tive que me virar naquela noite para somente dia seguinte poder comprar algo. O rapaz que me alugou o carro, vendo minha situação, foi solidário: -“ não compre nada perto do hotel! É muito mais caro! Amanhã te levo à um mercado local!”. Foi um passeio super interessante!! O lugar lembrava a rua 25 de Março (em São Paulo) pelas lojas, ruas e multidão.
A 25 de Março em Marrocos
Não haviam turistas ali, somente o povo local!! Esse foi meu primeiro contato com a cultura marroquina!! E era exatamente isso que eu queria! Não foi a toa que a mala desapareceu... Andando por ali, resolvi comprar uma típica vestimenta árabe! Entrei na loja e o dono, um muçulmano barbudo, já me olhou estranho...
Dono da loja me presenteando com um traje árabe
Escolhi e na hora de pagar, o cara disse que não precisava, era presente!! Pelo que entendi ele gosta quando ocidentais se interessam pela sua religião e costumes. E eu achando que o cara estava me olhando atravessado... que nada, sujeito gente finíssima! Ponto para a simpatia marroquina! No terceiro dia o aeroporto me liga avisando que acharam minhas coisas! Que felicidade! Mala recuperada, carro disponível e mapa na mão... Era hora de sair da zona de conforto e me aventurar!
Agadir, toda "preparada" para receber turistas
Queria conhecer o povo de verdade e seus costumes e não iria conseguir isso ficando em Agadir, uma cidade toda preparada para receber turistas! Hotéis beirando a orla, restaurantes, lojas e serviços na praia... Tudo igual a vários outros inúmeros destinos turísticos pelo mundo! Os únicos marroquinos que se via alí eram os empregados dos hotéis e restaurantes... Só dava branquinho europeu passeando nas ruas! E como não era isso que eu estava procurando, me mandei rumo a Thaghazout,
vila de pescadores bastante freguentada pela surfistada
uma vila de pescadores que ficava á 20km de lá e onde estavam as ondas! Em Thaghazout, larguei minhas coisas no hotel e já saí em busca de ondas! Como o mar estava flat (sem ondas) todos os picos pareciam uma piscina. Então segui estrada adentro...
já era final da tarde quando decidi ir para o local mais afastado de minha lista, um vilarejo chamado Tamri, onde procurei por uma praia deserta
que tinha a fama de "sempre ter alguma onda surfável por alí". Pois bem, perguntei pra um, perguntei pra outro... me afastei tanto do centro que o pessoal não mais falava o árabe (língua oficial do país)! Usavam um dialeto local chamado BEROBERO. (alias, em Marrocos, o idioma nº 1 é o árabe e em segundo o francês, mas o povo também se comunica através de três dialetos locais, dependendo da região onde se está! Um verdadeiro caldeirão de línguas!) Seguindo informações que decifrei no “chutômetro”, deixei a estrada e segui por uma ruazinha de areia rumo a tal praia deserta ... Depois de alguns quilômetros sem ver uma alma viva, o inesperado aconteceu... meu carro atolou na areia!!
Tentei cavar, mas a cada tentativa de sair o carro atolava mais! Procurei me controlar... Imagine a situação: sozinho, com o carro atolado, num lugar completamente estranho, deserto, e já no finalzinho do dia... “por que será que isso está acontecendo” me lembro de ter pensado. E a resposta logo veio... Já estava cavando com as mãos à mais de meia hora quando avisto um garoto caminhando por ali! O chamei, devia ter mais ou menos uns 15 anos, descobri que seu nome era Rachid... tentei uma comunicação em árabe misturado com mímica (nesses lugares o inglês não serve para nada)... Mostrei o carro atolado e ele fez um sinal para eu esperar... Voltou depois de alguns minutos com seu irmão mais velho, uma pá e pedaços de madeira... cavamos e calçamos o pneu e após uns 40 minutos de trabalho “libertamos” o carro!!
Que alívio!! Já havia desistido de procurar a tal praia e quando colocava a mão no bolso para dar um dinheiro para os garotos, para minha surpresa, um deles me diz: “Tâa tishreb chai bil beit” ( Vêm tomar um chá em casa!) Que bela oportunidade para eu interagir com o povo local e sua cultura! Topei na hora! Larguei o carro alí mesmo e entramos numas ruazinhas secundárias e chegamos em sua casa! Bem simples e rústica, porém super aconchegante!
Família típica da região me recebendo em casa
Não havia sofá, tiramos os sapatos, eles beijaram a mão de sua mãe e explicaram quem eu era. “Salah AleKom” ( a Paz esteja convosco) disse cumprimentando com a mão direita no peito, em sinal de total respeito, como fazem por lá. Sentamos no chão, em volta de uma mesa baixinha, e logo trouxeram pão que a irmã deles tinha acabado de fazer, mel, azeite, chá...
enquanto comíamos foi aparecendo os vizinhos para me ver! Logo a casa ficou cheia de gente e chegou o pai, um pescador local. Eles rapidamente se levantaram para beijar a mão do homem... Fiz o mesmo! Percebi sua surpresa ao ver um estrangeiro falando um pouco de seu idioma e seguindo e respeitando seus costumes!
 Passei três dias com aquela família! Dia seguinte combinei com os garotos (os dois que me ajudaram e mais outros da vizinhança) de irmos visitar uma cachoeira na região, o local chamava-se Imusel! Lugar de beleza única! No meio das montanhas, entre a vegetação desértica, uma cachoeira aflora formando uma piscina natural de água azul turquesa, onde arrisquei até um mergulho com a água beirando os 5 graus.
Na volta pegamos um atalho e nos perdemos no meio das montanhas...
por mais de duas horas dirigi serpenteando as montanhas... Apreciando a paisagem, os vilarejos e pessoas...

molecada ao redor do carro quando paramos para pedir informações
quando parávamos para pedir informações, juntavam-se crianças em volta da janela do carro para olhar e brincar com o forasteiro brasileiro que devia ser coisa raríssima por lá!! Mais uma fantástica experiência!

Depois de alguns dias, me afastei desses meus novos amigos e fui visitar uma cidade turística com bastante história: Marrakhess! Esta se localizava a 180 km de distância...E como não estava a fim de dirigir e até lá, tinha duas opções: a primeira era pegar uma van novinha, na porta do hotel, toda limpinha, com ar condicionado e cercada de turistas europeus; ou a segunda opção: ir até a rodoviária da cidade, pegar um ônibus local, velho, sujo, com os bancos estourados e repleto de nativos, (aqueles de filme onde só faltavam as galinhas penduradas) que ia parando em toda cidadezinha no caminho para descer e subir gente... Não sei seu estilo, mas o meu é o da segunda opção!
dentro do ônibus, me infiltrando no meio dos locais
E numa dessas paradas, desci para tomar uma água... Imagine o cenário: cidade pequena, construções antigas, o povo local muçulmano nas ruas com seus trajes típicos e só eu de ocidental... De repente, dois desses barbudos chegam ao meu lado e me perguntam: “Inta Musslãn?” (vc é muçulmano?) Tentei desconversar mas ele insistiu e perguntou novamente! -“Inta Musslãn?” Resolvi acenar que “sim” com a cabeça, então o homem levanta a mão e o rosto para o céu e diz “HamudeAllah” (Graças à Deus). Depois veio o segundo homem atrás dele e me ofereceu amêndoas e demonstrou ser bem amigável. Mas uma pergunta que fica no ar: o que teria acontecido se respondesse de forma negativa sua pergunta? (Essa só Allah sabe a resposta). Cheguei em Marrakhes depois de quase quatro horas, meio cansado.
mercado em Marrakhes, um circo ao ar livre
Conheci alguns pontos turísticos... Mas, particularmente, não gostei da energia do lugar. Muita gente, trânsito, barulho, sujeira... muitos turistas e consequentemente, nativos tentando ( e insistindo muito ) em oferecer serviços, muitos com má índole de enganar estrangeiros, dando o troco errado por exemplo... Minha experiência neste lugar não foi tão agradável, porém bastante válida para reforçar um aprendizado que já sabia, de outras viagens:  Se quer ser bem tratado e conhecer o povo e cultura local, fuja de lugares com muitos turistas pois lá o povo e cultura estão corrompidos! Voltei para Thaghazout no mesmo dia.
Só em Marrocaos: trânsito parado para a manada de camelos passar
Em outro episódio, estava novamente sozinho em mais um lugar distante, pedindo direção para chegar em outra praia, quando uma senhora olha a prancha dentro do carro e diz: -“Surfer??! Taa tishreb chai bil beit!!” (surfista? Vem tomar um chá em casa!)
A Sra que insistiu para que eu provasse seu legítimo Cuscus Marroquino com a sua família
E lá estava eu no interior de mais uma casa típica de família marroquina, sentado no chão, comendo e tentando interagir com essas pessoas.  Lá conheci uma jovem  que foi casada e só conheceu o marido no dia do casamento... Ela não se sentia feliz com esse matrimônio então, num belo dia, fugiu do marido! Seu pai ficou muito bravo , mas sua mãe a apoiara! Agora ela queria ir morar na França com seu irmão, pois sua imagem na comunidade estava prejudicada!... Histórias reais que ouvia da boca das pessoas, com pura emoção...... um Universo completamente diferente do meu!... Nesta casa, quando agradeci e disse que tinha que ir, a mulher começou a insistir para que eu ficasse pois iria me preparar um “legítimo CUSCUS marroquino!” Fiquei impressionado, eles queriam realmente que eu ficasse! A mulher insistia tanto para que eu comesse sua comida que parecia minha avó!
As perfeitas direitas Marroquinas... (pena que estava muito pequeno)
  Conclusão final :
o surfe em Marrocos não conheci!.. Foram 8 dias sem onda! Totalmente atípico naquela época! Mas em compensação vivi experiências fantásticas nos lugares que visitei! Pude experimentar a hospitalidade marroquina! Um povo simples e super feliz!! Posso dizer com toda a certeza: nunca em minha vida conheci pessoas tão boas, puras, ingênuas, acolhedoras e amorosas como os marroquinos que moram nos pequenos vilarejos!! Saí de lá com um pensamento forte em minha mente: "O verdadeiro Amor ainda existe nas pessoas".
Mais um incrível pôr do Sol, em um lugar inusitado do planeta
E fica aí a dica: Esteja onde estiver, se chegar devagar, com humildade e respeito, será sempre bem recebido!
Amigos marroquinos